Ponto de Vista

Base Nacional Curricular Comum - o começo de um longo caminho

Por Esther Carvalho (texto publicado no Perfil Econômico | 14 de abril de 2017)

No dia 6 de abril o Ministério da Educação , MEC , entregou , oficialmente, ao Conselho Nacional de Educação a Base Nacional Curricular Comum, BNCC, da Educação Infantil ao Ensino Fundamental. Falta, ainda, a finalização da BNCC para o Ensino Médio, o que deverá acontecer até o final do ano.

Mas o que significa isso em termos de políticas públicas? Na verdade, delineia-se, com essas referências, o princípio da eqüidade, que assegura igualdade de oportunidades para todas as crianças, que têm o direito de desenvolver competências e habilidades, por meio da aprendizagem de conteúdos dotados de sentido para sua realidade local e, ao mesmo tempo para a sua cidadania global. Pretende-se, portanto, garantir o desenvolvimento da pessoa e afirmação de um cidadão pleno, capaz de atuar, produzir e transformar sua realidade numa sociedade mais justa e democrática. Nesse sentido, temos muito a celebrar. Começamos a ter elementos concretos de uma política de estado que deve ser implementada em muitos anos de contínuo esforço por parte de toda sociedade. Mas esse é apenas o começo da história.

Não estamos aqui falando de todo o processo de tramitação que está em curso, embora ele também seja importante. Agora, entregue ao Conselho Nacional de Educação,CNE, o documento passará por análise, debates e consultas públicas para subsidiar a elaboração de um parecer e uma resolução que deverá normatizar todos os currículos do país, sejam eles de escolas públicas ou privadas. Essa resolução será encaminhada ao Ministro da Educação para homologação. Uma vez homologada, estados, municípios e escolas terão até dois anos para implementar as mudanças necessárias ao currículo alinhado à BNCC. Estamos falando, portanto, de 2020 ou, na melhor das hipóteses, em 2019 para aqueles estados e municípios que conseguirem implementar as mudanças em um ano.

Estamos falando da complexidade que envolve implantação, nas salas de aulas brasileiras, de cada uma dessas referências, considerando a escala e os desafios de nosso Sistema Educacional. Afinal, trata-se de quase 50 milhões de cidadãos na Educação Básica em cerca de 199 mil estabelecimentos de Ensino, segundo o Censo Escolar de 2014.

Trazendo algumas ideias sobre o assunto, a BNCC, enquanto documento normativo, traz as expectativas de aprendizagem, sua progressão nas diferentes áreas do conhecimento e competências e habilidades que devem ser desenvolvidas. Deverá ser traduzida pelos currículos, que respeitando a autonomia dos estados, dos municípios e das escolas, devem contemplar , também, suas necessidades e especificidades. Não limitando-se a conteúdos, a BNCC sua aplicação nos contextos das diferentes realidades dos alunos. Esse aspecto didático, demanda um preparo diferenciado do professor. No Brasil, segundo o mesmo Censo Escolar de 2014 citado anteriormente, o Brasil possui 2.190.743 professores que, diariamente, adentram as salas de aula para atuar com nossas crianças.

Nesse sentido, existem duas dimensões do suporte ao trabalho do professor: a primeira é o desenvolvimento profissional continuado, que possibilite subsidiar o trabalho de professores que já estão atuando; a segunda é o desenho de curso de formação de professores que atenda às referências preconizadas na BNCC. Professores, sejam eles polivalentes ou especialistas, devem estar preparados para ensinar o que se definiu como essencial para uma educação de qualidade. É necessário garantir que a BNCC influencie esses programas de formação continuada e os cursos de Pedagogia e Licenciaturas.

Em se tratando de Educação Infantil, de maneira inovadora, a BNCC traz eixos, metas e expectativas de aprendizagem para crianças, a partir de seu nascimento, quando a maioria dos países as definem a partir dos 3, 4 anos de idade. A ideia é estabelecer intencionalidade pedagógica no trabalho com as crianças desde muito pequenas, e a BNCC serve de instrumento para aprimorar essas experiências, de maneira que se possa explorar todo o potencial de aprendizagem dessa fase. Espera-se, assim, que a criança chegue na alfabetização com um repertório maior em termos de comunicação, sociabilidade e outras competências.

Com relação à alfabetização, antecipa-se, enquanto meta, que a criança esteja alfabetizada até o final do segundo ano do Ensino Fundamental . Atualmente se dá até o terceiro ano. Essa antecipação de alfabetização está alinhada à meta de alfabetização da maioria dos países e se ancora em experiências bem sucedidas na educação pública brasileira, como por exemplo, a da cidade de Sobral no Ceará ou nas da maioria das escolas privadas que garantem a alfabetização até essa idade. Nesse sentido, estabelecer a chamada alfabetização na idade é a base para garantir eqüidade e aprendizagem de qualidade nas séries seguintes.

São muitos os desafios que envolvem a implementação da BNCC. Entretanto, pela primeira vez, se tem uma normatização clara que explicita competências gerais que devem ser desenvolvidas ao longo da escolarização básica para assegurar uma formação humana integral com vistas à construção de uma sociedade mais justa, democrática e inclusiva. Na Educação Infantil traz, também, a partir dos chamados Eixos Estruturantes, o conceito de Direitos de Aprendizagem e Desenvolvimento que se estabelecem em Campos de Experiência. A partir desse elementos, apresentam-se os objetivos de Aprendizagem para cada faixa etária. No Ensino Fundamental traz Competências Específicas organizadas em quatro áreas: Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza e Ciências Humanas. Há ainda a definição das competências específicas por componente curricular que, relacionando as diferentes habilidades com seus respectivos objetos de conhecimento (conteúdos, conceitos e processos) , organizam-se se em Eixos Unidades Temáticas e Habilidades. Um importante e consistente começo.

Em recente entrevista ao site G1, a Secretária Executiva do MEC, Maria Helena Guimarães Castro, disse que a BNCC expressa uma pactuação nacional que se iniciou com a Constituição de 1988, com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, a LDB de 1996, com a Conferência Nacional de Educação de 2010 e com o Plano Nacional de Educação PNE em vigor. De fato, ele procura contemplar a complexidade de uma país de dimensões continentais, plural, multicultural, em um que se traduza como parte da resposta de uma demanda urgente que é a de se estabelecer referenciais de qualidade e de equidade, a serem consolidados a médio prazo, no sistema educacional brasileiro. Deverá ser entendido, pelo poder público e pela sociedade civil, como um começo de uma longa trajetória a ser seguida, acompanhada, cobrada e refinada à medida que seja implementada, superando interesses de governo para atender interesses do estado brasileiro e de suas crianças e jovens, cujas oportunidades de desenvolvimento tem se perdido ao longo de décadas.

 

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Esther Carvalho
Diretora-Geral do Colégio Rio Branco