Ponto de Vista

Alfabetização na idade certa: um desafio a ser alcançado

Por Esther Carvalho (texto publicado no Perfil Econômico | 15 de outubro de 2015)

Nos tempos da cartilha Caminho Suave, de autoria de Branca Alves de Lima, o objetivo da criança aos sete anos, na escola era percorrer do A da abelha ao Z da zabumba e, ao final do ano, estar alfabetizado. O mesmo acontecia com os números que eram apresentados, gradualmente, com as contas rudimentares da Matemática. Essa abordagem, que vigorou de 1948 a meados da década de noventa, foi coerente com um aluno, uma escola e uma sociedade muito diferente da atual.

Atualmente, o conceito de alfabetização ampliou-se para letramento, o que significa mais do que o do que saber ler e escrever. Ser letrado significa fazer uso competente da língua escrita e falada, relacionada à cultura e à compreensão da realidade social. Essa abordagem tem por trás o caráter transformador do indivíduo e do cidadão em vários aspectos: cognitivo, social, cultural, linguístico, entre outros. Nesse sentido, ser letrado é ter oportunidades de realização nas diferentes dimensões.

A criança de hoje vive um mundo interconectado e, exposta à várias mídias, incorpora o código linguístico de outra forma: não fazendo uso da cartilha a criança, é alfabetizada com textos de diferentes gêneros, como jornais, receitas, parlendas, contos, dentre outros. Embora sejam diversas as possibilidades de alfabetização e letramento, existe, hoje, no país, um desafio muito grande que é garantir a alfabetização na idade certa para que as crianças possam dar continuidade aos estudos com competência.

Saudosistas da escola pública de antigamente, do auge da cartilha, relembram o prestígio dos professores e a qualidade da escola, que garantiam a seus alunos uma excelente formação. Era uma escola elitizada, de acesso a pequena parte da população brasileira, não representando, portanto, o ideal de um sistema educacional. Atualmente, a escola pública venceu o princípio da universalidade, atingindo quase 100% da população em idade escolar correspondente. Entretanto, vive uma séria crise de qualidade, criando um passivo social e econômico, que vai desde a formação individual precária de cidadãos despreparados para as demandas da contemporaneidade a perda de produtividade do país no cenário global.

A garantia da alfabetização na idade certa na escola pública visa a propiciar para os cidadãos brasileiros a base para uma educação básica de qualidade. Saber ler , escrever e dominar a Matemática são ferramentas que transformam a vida das pessoas e lhes permitem entender o mundo à luz das diferentes Ciências. Nesse sentido, o movimento da sociedade civil, denominado Todos pela Educação, definiu, em 2006, como uma das metas a ser atingida em 2022, quando o Brasil completará 200 anos de independência, que 100% das crianças estejam alfabetizadas na idade certa, ou seja, até os 8 anos de idade, finalizando o terceiro ano do Ensino Fundamental. Os indicadores para essa meta vieram mais tarde, com as provas ABC em 2011 e 2012.

Em termos de políticas públicas surgiu, em 2012, o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, o PNAIC, que via MEC, Ministério da Educação e Cultura, propôs uma série de medidas para que Estados e Municípios, por adesão voluntária, façam parte desse grande movimento em busca de mais qualidade no Sistema Educacional Brasileiro. Visa a garantir que toda criança, aos 8 anos de idade, conclua o terceiro ano do Ensino Fundamental, plenamente alfabetizada. Essa iniciativa teve a adesão de 98% dos municípios e conta com a parceria de 39 universidades públicas. Como indicador, foi criada a Avaliação Nacional da Aprendizagem, ANA, que, a princípio de periodicidade anual, foi aplicada em 2013 e 2014 e cancelada sua versão de 2015 por falta de verbas.

Organizada em escala de proficiência, a ANA procura traçar um perfil bastante criterioso dos níveis de competência de leitura, escrita e de Matemática. Os resultados de 2014, recém publicados, são alarmantes. Eles mostram que uma em cada cinco crianças consegue ler apenas palavras isoladas e ainda que 57 a cada cem delas estão nos níveis mais baixos da escala de proficiência, não conseguindo, por exemplo, localizar informação explícita em meio ou final de textos narrativos, como cantigas e lendas folclóricas . Ainda sobre os resultados, 41,5% das crianças não conseguem escrever textos narrativos com mais de uma frase a partir de uma situação dada.

Num país em que não se tem políticas de estado e sim políticas de governo, urge que todos se mobilizem para garantir às nossas crianças uma educação de qualidade. O desafio é muito grande, mas não é impossível. Continuidade de propósito, indicadores consistentes, incentivo e desenvolvimento profissional de educadores, infraestrutura e mobilização da sociedade civil são elementos fundamentais para que sejamos bem sucedidos nessa empreitada. Sem o saudosismo da cartilha Caminho Suave, todos agradecem.

 

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Esther Carvalho
Diretora-Geral do Colégio Rio Branco