Ponto de Vista
Antecipação da vida escolar: para que?
Por Esther Carvalho (texto publicado no Perfil Econômico | 07 de agosto de 2015)
As crianças, desde muito pequenas, têm surpreendido os adultos com comportamentos inesperados para sua idade. Parecem mais articuladas, mais inteligentes e, às vezes, até mais prontas para a vida. De fato, as crianças aprendem e se relacionam de forma diferente, num mundo conectado, de rápidas mudanças. Esses aspectos favorecem a ideia de que a escolarização da criança deva ser antecipada, adiantando-se à série que ela iria estudar regularmente. Há uma tendência de pais cujos filhos apresentam facilidade, por exemplo, na alfabetização aos cinco anos, de quererem matriculá-los no primeiro ano do Ensino Fundamental, quando para estar nessa série, na legislação brasileira, o aluno deveria ter 6 anos até o dia 31 de março do ano em que ocorrer a matrícula.
Embates legais têm sido travados no sentido de não se respeitar as resoluções da Câmara da Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, que definem as diretrizes operacionais das matrículas na Educação Infantil e do Ensino Fundamental. São elas as resoluções de número 1 de 14.01.2010 e a de número 6 de 20.10.2010. Algo semelhante ocorre com as definições do Conselho Estadual de Educação de SP que define, como corte etário o dia 30 de junho para o primeiro ano do Ensino Fundamental. Trata-se, nesse caso, da Resolução SE de número 27 de 28.05.2014.
O que os pais que questionam a legislação querem: matricular seus filhos seja primeiro ano da Educação Infantil ou do Ensino Fundamental sem respeitar o corte etário, antecipando, assim, seu processo de escolarização. É importante ressaltar que a definição de um corte etário sempre trará um grupo de pessoas que se sintam prejudicadas por ele. Mas a pergunta que não se quer calar é: “para que se quer antecipar a escolarização”? Qual o benefício de se reduzir em um ano o tempo de Educação da criança, fazendo com que ela ingresse, possivelmente, mais cedo nas etapas seguintes? Seria essa demanda de antecipação escolar fundamentada nos supostos talentos dos filhos ou nas vaidades de seus pais?
O relatório denominado De Olho Nas Metas 2013-2014, publicado pelo movimento Todos Pela Educação, TPE, traz um artigo de sua sócia-efetiva, Alessandra Gotti, Mestre e Doutora em Direito Constitucional, professora das Faculdades Integradas Rio Branco, que discorre sobre a questão do corte etário nas matrículas da Educação Básica. O documento traz, além de uma série de fundamentações legais para a análise do tema, a visão do Conselho Federal de Psicologia, sustentando que “a ideia de que existem ciclos de desenvolvimento e aprendizagem não apenas orienta a definição de corte etário para a entrada em um determinado nível da Educação, mas, também, a organização dos conteúdos, das atividades, dos tempos e dos materiais em cada um dos níveis”.
Além de aspectos operacionais e legais existem aqueles ligados ao desenvolvimento humano que envolve não somente aspectos cognitivos, mas, também, emocionais e afetivos, dentre outros. Cada etapa da Educação Básica, composta por Pré - Escola, Ensinos Fundamental e Médio, tem suas peculiaridades em função da faixa etária que atende. Por que tirar um ano da infância da criança, por exemplo na Educação Infantil para fazê-la ingressar no primeiro ano do Ensino Fundamental? À medida que a criança avança na escolarização, qual o real benefício de se ingressar mais cedo no Ensino Médio e no Ensino Superior? Qual a pressa? De que corrida participa essa criança que precisa chegar mais cedo às demandas da vida adulta? Numa hipotética existência de 80 anos, que diferença fará para uma pessoa aguardar mais um ano e ter a infância preservada e valorizada?
Esse tema traz para a escola uma responsabilidade enorme. O que é preciso é que se atenda, em sala de aula, as diferentes demandas e especificidades das crianças e jovens. Aqueles com mais facilidade em aprender precisam ser desafiados e não adiantados para a série seguinte! Não se pode perder de vista que a infância é uma fase muito curta da vida e que precisa ser vivida em sua plenitude para que forme adultos realizados e competentes. Não é necessário pressa.
Esther Carvalho
Diretora-Geral do Colégio Rio Branco