Ponto de Vista
O PNE e seus desafios
Por Esther Carvalho (texto publicado no Perfil Econômico | 15 de junho de 2014)
Recém aprovado pela Câmara dos Deputados e aguardando sanção presidencial, o Plano Nacional da Educação (PNE) 2011 – 2020 finalmente nasce, após três anos e meio de tramitação. Prevista na Constituição, a segunda edição do PNE estabelece diretrizes, metas, estratégias de implementação na área Educacional, a serem cumpridas nos próximos dez anos após sua promulgação. Documento abrangente e ambicioso, define 20 metas que abarcam todos o níveis, modalidades e etapas educacionais. Traz, inclusive, definições sobre valorização e desenvolvimento da carreira docente e financiamento da educação.
Garantia de atendimento e de qualidade nos primeiros anos de escolarização envolve metas como a de número 1: Universalizar, até 2016, a Educação Infantil na pré-escola para as crianças de 4 a “5 anos de idade e ampliar a oferta de Educação Infantil em creches de forma a atender, no mínimo, 50% das crianças de até 3 anos até o final da vigência deste PNE. Trata-se de inserir cerca de 1 milhão de crianças do primeiro grupo, considerando ainda desigualdades regionais das instituições já existentes. No caso das crianças de zero a 3 anos, apenas 23% dessa população é atendida. Isso traduz-se num déficit de cerca de 3 milhões de vagas.
Nessa mesma linha, garantir alfabetização na idade certa é essencial para a continuidade da escolarização com qualidade. A meta de número 5 define que até o final da vigência do PNE, 100% das crianças estejam alfabetizadas até, no máximo, no 3o ano do Ensino Fundamental. Extremamente desafiadora é essa meta, considerados os resultados das avaliações da prova ABC de 2012, em que apenas 44,5% dos alunos nessa série tiveram aprendizado adequado em leitura e 30,5% tiveram aprendizado adequado em escrita.
Aprendizado adequado na idade certa em todos os níveis da Educação Básica é fundamental para se garantir a qualidade do sistema como um todo. Por meio da meta 7, pretende-se utilizar indicadores como Ideb , índice de Desenvolvimento da Educação Básica, composto pelas notas da Prova Brasil em Língua Portuguesa e Matemática e pelo fluxo escolar.
Maior exposição do aluno ao ambiente escolar é um dos princípios que visa a garantir maior equidade e qualidade em Educação. Nesse sentido, a meta 6 define que no mínimo 50% das escolas públicas atendam às crianças em tempo integral , de forma a atender pelo menos 25% dos alunos da Educação Básica. Segundo dados de 2012 elaborados pela organização Todos Pela Educação, o percentual de escolas brasileiras que hoje atende da Educação Infantil ao Ensino Médio é de 28,4%.
Uma das metas mais polêmicas é a destinação do percentual de 10% do PIB (Produto Interno Bruto) para a área da Educação. Hoje definido em 5,39%, o percentual deve ser aumentado para 7% nos próximos 5 anos e chegar a 10% em 2024. Outra divergência é que esse percentual inclui programas como o Universidade para Todos (ProUni), o Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies) o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), o Ciência se Fronteiras e também a Educação Infantil e creches conveniadas. Nesse sentido, o recurso não estaria sendo aplicado apenas no setor público.
Outro elemento de destaque é a obrigatoriedade de a União complementar recursos dos estados e municípios aplicados à educação básica, utilizando-se das referências mínimas de qualidade definidas pelo Custo Aluno Qualidade Inicial (CAQi) e posteriormente pelo Custo Aluno Qualidade (CAQ). Essa medida terá dois anos para ser regulamentada pelo governo e congresso.
O grande desafio que se apresenta não está necessariamente no montante a ser aplicado, e sim na gestão desses recursos e dos processos de melhoria da qualidade da educação no país. A aprovação do PNE é apenas o começo. Há que se dar continuidade a um conjunto de medidas previstas para a viabilização das metas. Dentre elas: a realização de Planos Estaduais e Municipais de Educação; a instituição de uma Lei para garantir a complementação do Governo Federal ao CAQi e, posteriormente, ao CAQ; a definição da base nacional comum curricular; e a instituição do Sistema Nacional de Educação.
O acompanhamento da sociedade civil é fundamental para que essas ambiciosas metas definidas para os próximos dez anos possam ser concretizadas. Nesse sentido, foi criada a plataforma online denominada Observatório PNE. Nascida da iniciativa de 20 instituições ligadas à Educação em diferentes modalidades, pretende monitorar indicadores, analisar políticas públicas educacionais voltadas ao cumprimento das metas do PNE nos anos de vigência do plano e apoiar formuladores de políticas, gestores e educadores na consecução das metas estabelecidas. O desenvolvimento desse recurso contou com o apoio do BID e a iniciativas de organizações como por exemplo Fundação Lemann, Todos Pela Educação, UNESCO e Unicef. Seu endereço: http://www.observatoriodopne.org.br.
O Plano Nacional de Educação chega como mais um passo a ser seguido por diversas ações que visam a buscar uma Educação de qualidade, que saia dos baixos patamares e propicie a formação de cidadãos mais produtivos e realizados. Avaliações externas mundiais como o Programme for International Student Assesment (PISA) promovido pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), assim como o recém publicado The Learning Curve, estudo promovido pela Pearson, mostram o quanto se tem para avançar. Um documento da importância e magnitude do PNE pode transformar-se em apenas um apanhado de intenções ou numa referência efetiva de mudança se, antes de tudo, a educação no Brasil for tratada como política de Estado e não de governo. Esse é o maior desafio.
Esther Carvalho
Diretora-Geral do Colégio Rio Branco