Ponto de Vista

Desafios do Ensino Médio

Por Esther Carvalho

O Ensino Médio, no Brasil, é um dos maiores e mais complexos desafios em termos de definição de políticas públicas. Sua identidade traz o dualismo entre seu caráter propedêutico e profissionalizante e assume diferentes papéis na formação dos cidadãos. Representa, ao mesmo tempo, o término da educação básica, a etapa intermediária entre o Ensino Fundamental e o Ensino Superior e a preparação para o trabalho. Deve atender às múltiplas necessidades culturais, sociais e econômicas da sociedade brasileira e trazer mais atratividade ao adolescente e ao jovem contemporâneos. Nesse sentido, surgem alguns pontos a serem superados: universalizar sua oferta pública com qualidade; conferir-lhe identidade própria no sistema educativo e corresponder às expectativas de formação unitária e politécnica.

Dentre os recentes caminhos para avançar, vê-se a valorização e a expansão do Ensino Técnico em âmbito estadual e federal. Por exemplo, a partir de 2007 e 2008, vêm sendo implantados os Institutos Federais de Ciência e Tecnologia e foi reorganizada a Rede Federal Tecnológica.

Em 2009, surgiu o Programa do Ensino Médio Inovador, cujo objetivo é incentivar soluções criativas que promovam a revisão dos currículos do Ensino Médio, baseada em quatro eixos integradores: trabalho, ciência, tecnologia e cultura. O governo federal destina apoio técnico e financeiro aos estados e Distrito Federal, em parceria com os Colégios de Aplicação, o Colégio Pedro II/RJ, os Institutos Federais e o Sistema S. Os elementos significativos do programa são: aumento gradativo da carga-horária mínima de 2 400 para 3 000 horas; flexibilidade curricular para que o aluno escolha 20% das atividades oferecidas pela escola; foco na leitura, em todas as áreas do conhecimento; relação entre teoria a prática, enfatizando a prática, a experimentação; ampliação da formação cultural do aluno. Estimula, ainda, a dedicação integral dos docentes à escola, com tempo efetivo para atividades de planejamento pedagógico.

Outra iniciativa é a publicação, no último 31 de janeiro, das novas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Elas reforçam os eixos integradores da educação, propostos no Programa Ensino Médio Inovador: trabalho, ciência, tecnologia e cultura, e mantêm o esforço de romper com a organização curricular em disciplinas fragmentadas e estanques. Propõe-se, assim, a organização em áreas do conhecimento: Linguagem, Matemática, Ciências da Natureza e Ciências Humanas. A ideia é preservar a essência dos saberes específicos contidos nos componentes curriculares, e, ao mesmo tempo, fortalecer a relação entre eles, em áreas mais amplas.

As Diretrizes propõem mais diversificação e flexibilização da oferta do Ensino Médio pelas unidades escolares, de forma que elas possam definir sua proposta curricular, selecionar os conhecimentos, definir tempos e arranjos alternativos de carga-horária, metodologia e avaliação.

O Enem, Exame Nacional do Ensino Médio, cujo modelo foi alterado a partir de 2009, deve, progressivamente, segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais, compor o Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB). Desse modo, ele assumirá funções de avaliação sistêmica, a fim de subsidiar as políticas públicas para a Educação Básica, avaliação certificadora do Ensino Médio, e avaliação classificatória para o Ensino Superior

Embora possamos vislumbrar mudanças significativas, a médio e longo prazo, na universalização do Ensino Médio de qualidade, um conjunto de variáveis complexas deve ser levado em conta para sua implantação: a definição de papéis e responsabilidades entre as diferentes esferas públicas; a sinergia entre os diferentes programas governamentais existentes; parcerias com setores da sociedade civil; alocação de recursos; infraestrutura; gestão; material didático e tantas outras. Dentre essas variáveis, cabe destacar a questão do preparo do professor para ajudar a elaborar e traduzir o currículo em experiências criativas e atraentes para os jovens com os quais interage. Formação adequada, desenvolvimento profissional contínuo, avaliação profissional, plano de carreira, valorização da profissão são alguns dos elementos essenciais para se construir, em sala de aula, a proposta de formação que está no papel, seja nas leis, nas diretrizes, nas orientações, seja nos projetos políticos pedagógicos de cada instituição.

O fundamental é que, seja qual for a proposta da instituição, ela cumpra o seu papel, seja no Ensino Integrado, no Ensino Técnico ou no preparo para o acesso ao nível de Ensino Superior. Vemos limitações expressivas das instituições no sentido de atender aos sistemas de acesso ao Ensino Superior em termos de potencial de inovação, diversificação, flexibilidade curricular e aprofundamento das disciplinas alinhadas às áreas de conhecimento. São os grandes e concorridos vestibulares, dentre eles o próprio Enem, que delimitam os conteúdos e as prioridades das escolas. A quantidade de conteúdos se sobrepõe à qualidade da aprendizagem, à construção de conceitos, à possibilidade de leitura e intervenção na realidade à luz das diferentes ciências.

Vivemos não só o gap de conhecimento, gerado pela desigualdade do acesso à escolarização e aos recursos tecnológicos, mas, também, o gap de relevância. Ele vem das escolhas de conteúdos, da organização dos conhecimentos em disciplinas fragmentadas, das metodologias ainda predominantemente tradicionais, que não motivam o jovem a se comprometer com sua aprendizagem. A pergunta que temos que fazer é: o que vale a pena ser ensinado, como e quando, para que o jovem possa viver, ética e reflexivamente, um mundo de rápidas mudanças e se realize como indivíduo e como cidadão?

 

Ponto de Vista
Esther Carvalho
Diretora-Geral do Colégio Rio Branco