Ponto de Vista

Escola, sociedade e câmeras

Por Esther Carvalho

A escola é um espaço de permanência e de mudanças na sociedade. Preserva, de um lado, os valores que transferimos para as futuras gerações. Ao mesmo tempo, transforma essas gerações, busca novos caminhos, novas soluções para lidar com a vida em sociedade e, essencialmente, tem o poder de transformar pessoas. A consciência socioambiental muito mais apurada de nossas crianças e jovens de hoje é um exemplo dessa transformação.

Por outro lado, a escola é a sociedade. Ela reflete, num microcosmos, os desafios, os avanços, os paradoxos de nosso tempo. Vivemos, também, essas experiências como pais e cidadãos.

Nesse sentido, a questão da necessidade ou não de câmeras em tantos ambientes é um tema complexo, que não tem respostas prontas. Na escola e, especificamente, em salas de aula, suscita muitos questionamentos.

Um deles é relativo à questão da perda de privacidade de alunos e professores no espaço em que ocorre a aula. Embora traga as especificidades de cada docente e seus grupos de alunos, a aula é parte de uma proposta mais ampla de formação e deve estar alinhada ao projeto político e pedagógico e às demandas da instituição. Deve, também estar coerente com as orientações e diretrizes advindas do trabalho coletivo do professor e dos demais educadores. Ainda sob a perspectiva do desenvolvimento profissional, registros de sala de aula podem ser utilizados para aprimoramento dos professores.

O conceito de privacidade, por sua vez, é muito mais complexo quando vivemos num tempo em que as pessoas, em especial os jovens, inadvertidamente, filmam e gravam muitas situações de suas vidas, expondo-se e expondo outros na Internet. As imagens dentro de uma escola serão usadas sempre a bem da formação dos alunos e de sua comunidade interna, preservando a privacidade e a integridade de todos.

Há, também, o argumento de que alunos, sob a vigilância de câmeras, tendam a agir adequadamente somente em situações em que estejam sob vigilância. Os limites e as referências sociais estariam fora do indivíduo. Embora seja por elemento externo, a contenção de atitudes inadequadas de alguns alunos pode contribuir para que, nos ambientes escolares, em especial nas salas de aula, predominem experiências construtivas, com alunos e professores mais tranquilos e produtivos. Essa rotina tende a gerar melhores hábitos de convivência e de estudo e, portanto, melhores condições de aprendizagem.

A questão da disciplina ou da indisciplina envolve vários aspectos: educação dada pela família e os valores por ela transmitidos, relação de autoridade entre professores, crianças e jovens em sala de aula; respeito às regras de convivência do espaço coletivo e discernimento entre o público e o privado. Envolve, também, professores bem preparados e aulas motivadoras. Essas e outras variáveis são interdependentes e não se pretende, aqui, atribuir, isoladamente, a qualquer delas, as causas de comportamentos tão complexos.

A forma como crianças e jovens vêm interagindo com seus pares e com os adultos é reflexo da forma como nós, adultos, estamos educando-os. Não devemos banalizar posturas e atitudes inadequadas como sendo apenas "brincadeiras da idade" ou manifestações de desejos pessoais que precisam ser atendidos para não gerar "frustrações". Temos que ajudá-los a viver as experiências como pessoas e cidadãos de maneira que, aos poucos, possam diferenciar e escolher entre " o que eu quero, o que eu devo e o que eu posso fazer". O senso crítico ou o discurso e a ação politizada que procuramos desenvolver em nossos alunos devem vir acompanhados de atitudes que, de fato, venham ao encontro de uma convivência sadia entre todos no espaço escolar e na sociedade como um todo.

Dentro de uma escola, procura-se criar experiências entre crianças, jovens e adultos em que sejam fortalecidos valores como: respeito por si mesmo e pelos outros; preservação dos espaços públicos e privados; solidariedade; respeito à diversidade. Procura-se desenvolver competências e habilidades, assim como posturas pessoais de disponibilidade para aprender, cooperar, questionar, empreender, inovar. Essas experiências são vividas entre pessoas. Nesse sentido, toda e qualquer tecnologia, inclusive as câmeras, são apenas recursos que, bem empregados, proporcionam melhores condições para que essas experiências ocorram.

 

Ponto de Vista
Esther Carvalho
Diretora-Geral do Colégio Rio Branco