Ponto de Vista
Educar filhos e alunos
Por Esther Carvalho
A missão de educar crianças e jovens é complexa e, por muitas vezes, pais e educadores se depararam com sentimentos de insegurança, de despreparo e, até, de desânimo frente aos desafios que se apresentam. Entretanto, não é prerrogativa dos adultos abrir mão de seus papéis na formação das novas gerações. E, sem receitas prontas, sem verdades absolutas, temos que atuar comprometidos com essa responsabilidade.
No que se refere à relação família e escola, a formação de crianças e jovens é uma ação compartilhada. Traz as expectativas e valores da família, o perfil da criança ou do jovem com sua personalidade e, também, a escola com seus valores e sua proposta de formação. Essa parceria deve estar fundamentada na confiança de que família e escola estarão do mesmo lado, farão o melhor, não será simples, terão divergências, crescerão juntas e que pretendem ser bem sucedidas.
Quanto ao processo de socialização, a família é responsável pelo que chamamos socialização primária. É no seio dessa relação que a criança, desde muito pequena, vai diferenciando-se como indivíduo, percebendo a existência de outras pessoas , construindo regras de convivência familiar, iniciando a viver conflitos entre “o que eu quero, o que eu devo e o que eu posso fazer”. A escola, por sua vez, é o primeiro espaço social em que a criança passa a interagir, cotidianamente, com um universo mais amplo de relações, assumindo, portanto novos papéis sociais. A escola é responsável pela socialização secundária, pois tem, na sua razão de ser, a formação não só de indivíduos, mas, essencialmente, a formação de cidadãos. Sua organização, sua proposta visa ao crescimento e florescimento pessoal dentro de um ambiente coletivo. É no coletivo, nas experiências de novos papéis, que se estrutura a formação das crianças, jovens e adultos.
A família não pode abrir mão da socialização primária, construindo, no seu cotidiano, valores, regras de convivência, limites e referências que estruturam seu filho como indivíduo. A escola, por sua vez, não pode abrir mão da socialização secundária que lhe cabe, construindo, no seu cotidiano, experiências que contemplem a formação do aluno como cidadão. Uma instituição não tem possibilidade de desempenhar, com competência, o papel da outra.
Quanto ao contexto mais amplo em que vivemos, não devemos nos remeter, com saudosismo, a frases como “no meu tempo...”. Ao proceder assim, deixamos de considerar que os tempos em que nossas crianças e jovens vivem são nossos também. Tentar viver desafios desse tempo não é deixar-se levar por tendências, modismos. É tentar diferenciar entre o novo e a novidade, mantendo e compartilhando as referências familiares construídas. Novos contextos surgiram com tecnologias que quebraram as paredes de nossos ambientes e romperam a relação espaço e tempo para se comunicar, interagir, conhecer, produzir conhecimento em diferentes linguagens. Redes sociais trazem novas oportunidades e novos problemas que precisam ser enfrentados. Nós, adultos, temos que buscar respostas para lidarmos com nossos filhos-alunos.
Sob o aspecto de como lidar com os conflitos e divergências que surgem no cotidiano, temos que ter claro que Escola é uma instituição em que há gente formando gente. Traz, portanto, complexidade e conflitos na sua essência. Quando há conflitos entre pares, alunos da mesma faixa etária ou de idades próximas, o mais natural é que esses conflitos sejam tratados, em primeiro lugar, entre eles mesmos. Viver e superar esses conflitos faz parte do crescimento e da formação de cada um deles. Portanto, cabe, aqui, um alerta quanto à intervenção de adultos, sejam eles da escola ou da família. Muitos conflitos são ampliados quando pais tomam à frente de seus filhos para tentar resolvê-los. Crianças e jovens superam mais facilmente seus problemas, quando tratados entre si. Devemos, como adultos, estar atentos e monitorar as situações de forma a apoiá-los e intervir, somente, se necessário.
Falando sobre a dificuldade dos pais em lidar com conflitos e frustrações vividos pelos filhos, remetemo-nos à metáfora de que crianças e jovens não são cristais. São diamantes que necessitam ser lapidados pelas experiências entre seus pares, entre adultos, em diferentes contextos. Portanto, viver consequências de seus próprios atos, experimentar novos relacionamentos, procurar gerenciar seus conflitos e superar dificuldades são elementos essenciais para se formar pessoas fortalecidas, que possam lidar com o mundo adulto de forma assertiva. Ao assumir, em alguns momentos, a defesa incondicional do filho, pais, talvez, estejam perdendo uma grande oportunidade de educá-los. Algumas armadilhas: “meu filho não mente”, “meu filho não fez”, eu conheço meu filho”, “é a fala dele contra ...”, “eu pago, eu quero...” são posições que podem impedir uma ação mais assertiva de pais e da escola sob a perspectiva da formação de seus filhos/alunos. Privar os filhos dos problemas e das consequências de seus atos nem sempre é protegê-los.
Os desafios que se apresentam no cotidiano não nos devem imobilizar. Devemos, como adultos, exercitar nossa resiliência e buscar caminhos que lapidem nossos “diamantes” para brilharem como pessoas e cidadãos éticos, íntegros e competentes, que possam contribuir para a construção de um mundo melhor. Nesse processo, certamente, tornamo-nos pessoas melhores também.
Esther Carvalho
Diretora-Geral do Colégio Rio Branco